RIO — A menos de quatro meses do início das Olimpíadas, o movimento em um prédio na Cidade Universitária, na Ilha do Fundão, já é frenético. Lá, desde agosto de 2014, funciona o Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem (LBCD), pertencente ao Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No local, serão analisadas todas as amostras para controle antidopagem dos atletas que disputarão os Jogos Olímpicos e Paralímpicos.
A expectativa é que 10.500 atletas olímpicos (em 42 esportes) e 4.350 paralímpicos (em 22) participem da disputa por medalhas durante os dois eventos. Cerca de 400 substâncias proibidas serão monitoradas.
O LBCD faz parte do Laboratório de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (Ladetec), que aglutina diversos outros outros laboratórios do Instituto de Química da UFRJ. Inaugurado em 1989, o LBCD era chamado antes de Lab Dop, mas, com a construção do novo prédio visando aos Jogos, foi rebatizado. O governo federal investiu cerca de R$ 134 milhões para erguer a unidade, que ainda passa por obras de paisagismo e cercamento.
– As obras para construção do novo edifício tiveram início em 2013 e foram executadas em até três turnos para garantir o trabalho durante os Jogos. Já em agosto de 2014, a ala que abriga o laboratório estava funcionando – conta Francisco Radler, coordenador do Ladetec e diretor do LBCD.
Segundo ele, com os investimentos dos Ministérios do Esporte e da Educação, o Ladetec ganhou novas instalações na Cidade Universitária da UFRJ.
– Os recursos permitiram a construção de um novo prédio, bem como a aquisição de equipamentos cujas tecnologias são as mais avançadas no mundo para a análise de amostras – diz Radler. – São equipamentos como espectrômetros de massas e cromatógrafos, capazes de identificar mais de 400 substâncias em uma única amostra de urina ou de sangue.
O LBCD é o único no país credenciado pela Agência Mundial Antidopagem (AMA ou Wada, na sigla em inglês). Existem apenas outros 32 ao redor do mundo.
Técnicos do laboratorio manipulam o cromatógrafo gasoso – Eduardo Uzal / Agência O Globo
– Os critérios da Wada são numerosos e incluem não só tecnologia de ponta. A infraestrutura deve estar aliada a um corpo de técnicos altamente qualificados para a função. Além disso, a sofisticação do sistema da Wada, de verificação da capacidade técnica do laboratório para manutenção da acreditação, não tem paralelo nem mesmo na medicina ou nas análises clínicas – diz Radler. – Daí, por exemplo, o Brasil ter uns 16 mil laboratórios de análises clínicas e apenas um acreditado pela Wada.
O Lab Dop funcionou por 24 anos (de 1989 a 2013) e esteve acreditado durante 11, entre 2002 e 2013. Foi o primeiro laboratório da América Latina e do Caribe a obter credenciamento de testes de dopagem. Porém, foi suspenso em 2013 por falhas em testes cegos durante uma avaliação de rotina, causadas por defasagem de equipamento.
O processo de recredenciamento começou em agosto de 2014 pela Agência Mundial. Após um teste pré-probatório, seguiu-se o período probatório, com quatro lotes de amostras enviadas pela Wada e três visitas de auditoria da agência, além de consultoria de especialistas estrangeiros.
– Nosso laboratório existe há 30 anos. Durante todo esse tempo, participamos de competições esportivas importantes a nível nacional e internacional. Os critérios para garantir a acreditação de um laboratório são cada dia mais rigorosos – comenta Radler.
Ele explica que são necessários investimentos constantes em tecnologia de ponta, que estejam adequadas às exigências da Wada.
– Por anos, tivemos pouco ou nenhum investimento do governo federal. Cedo ou tarde, a desacreditação poderia acontecer, por defasagem de tecnologia. O cenário mudou recentemente, com os robustos investimentos dos Ministérios do Esporte e da Educação, que nos permitiram adquirir todas as tecnologias, infraestrutura e pessoal qualificado. Agora temos capacidade de identificar todas as substâncias exigidas pela Wada – destaca o diretor do LBCD.
Segundo ele, os critérios da Wada são numerosos e incluem não apenas tecnologia de ponta. A infraestrutura deve estar aliada a um corpo de técnicos altamente qualificados para a função. Após o sinal verde da Agência Mundial, o LBCD começou a se preparar para a enorme demanda dos Jogos. Durante o evento, os testes serão feitos em lotes de 20 amostras ao mesmo tempo.
– Temos nos preparado para entrar no ritmo olímpico com um corpo de profissionais altamente competentes e infraestrutura de ponta, que muito nos orgulha na universidade. Durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos vamos verificar cerca de seis mil amostras. É o número que analisamos, em geral, durante um ano. A colaboração de profissionais de várias partes do mundo e os treinamentos pelos quais nossa equipe tem passado serão fundamentais para garantir que o nosso trabalho seja executado com alto padrão de segurança e qualidade – afirma Radler.
Para dar conta de tanto trabalho, o LBCD vai contar com o reforço de profissionais de diversas nacionalidades.
Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem vai receber mostras de centenas de atletas durante os Jogos Olímpicos do Rio – Eduardo Uzal / Agência O Globo
– Hoje temos cerca de 150 profissionais no laboratório. O número vai dobrar durante os Jogos, pois receberemos dezenas de voluntários brasileiros e quase uma centena de especialistas estrangeiros, muitos dos quais, inclusive, já trabalharam em competições olímpicas anteriores – conta o diretor.
São profissionais de vários setores.
– A química analítica, por exemplo, abre muitas possibilidades de conhecimento. No laboratório temos profissionais não apenas dessa área, mas de outras correlatas, como bioquímica, farmácia e biotecnologia. O trabalho em um laboratório acadêmico como o nosso exige dedicação e muita responsabilidade dos profissionais envolvidos. Afinal, estamos lidando com a reputação de atletas do mundo inteiro.
Radler afirma que não está preocupado em punir ou buscar culpados.
– Nossa preocupação é garantir que as competições sejam justas, baseadas numa cultura que valorize a saúde no esporte, e não o uso de drogas, que só fazem prejudicar o corpo e a carreira dos esportistas – explica.
A identidade do atleta é preservada durante o processo. Sempre transportadas pelo laboratório através de carrinhos, essas amostras são rompidas por um lacre, antes de a análise ser feita.
– O processo envolve equipamentos de alta tecnologia, mas o esforço humano é fundamental no processo. O resultado de um material, após ser processado pela máquina, é checado duplamente. Cada amostra de sangue ou urina coletada é identificada com um código, de forma que nenhum envolvido no trabalho saiba quem é o atleta que está sendo avaliado – explica Radler.
Quando a amostra é coletada, ela é dividida em dois frascos. Uma é submetida à análise. A outra é armazenada e permanece inviolada.
– Caso seja necessário, serão abertas na presença do atleta ou de um representante para uma nova análise, seguindo padrões rigorosos de checagem e confidencialidade – informa o diretor.
Durante as Olimpíadas e as Paralimpíadas, o laboratório vai funcionar 24 horas por dia.
– Serão sete dias por semana durante o tempo que durarem os Jogos. Um verdadeiro esforço olímpico, só que da ciência – finaliza Radler.
Além da importância que o LBCD terá para a competição, o legado deixado vai ser importante para a instituição. Afinal, durante os Jogos, os técnicos do laboratório brasileiro vão conviver com cerca de cem dos melhores profissionais do planeta no que se refere ao controle de dopagem. E os equipamentos de ponta beneficiarão não apenas a universidade, mas toda a comunidade científica nacional.
A UFRJ promoveu concursos para contratar pesquisadores e dezenas de outros profissionais (químicos, biólogos, farmacêuticos e técnicos de laboratório de áreas diversas, entre outros). A equipe vem aumentando desde agosto de 2014 com a aquisição desses novos concursados. Também foram contratados sete professores para os departamento de Química Analítica, Química Orgânica e Bioquímica.